A formação acadêmica do presidente da ABSOLAR inclui doutorado em Engenharia e Tecnologia de Materiais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com colaboração internacional na área de energia solar fotovoltaica realizada no Fraunhofer Institut für Solare Energiesysteme (Fraunhofer ISE, Alemanha); é mestre em Energias Renováveis com especialização emEnergia Solar Fotovoltaica pela Loughborough University e Northumbria University, no Reino Unido, com colaboração internacional realizada no ETH Zürich, na Suíça; além de bacharelado e licenciatura em Química pela Universidade de São Paulo (USP).
País solar
Apesar do enorme potencial do Brasil para a energia solar fotovoltaica, atualmente esta tecnologia é responsável por menos de 1% da geração nacional de energia elétrica – que utiliza fontes hidráulica (73%), térmica (14,6%), eólica (8,2%), nuclear (3,6%), solar (0,4%) e importação (0,2%), segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no dia 25.05.18 às 14h06.
Nos últimos seis anos, porém, este cenário começou a mudar. Consumidores residenciais e empresariais, além de produtores rurais, começaram a produzir sua própria energia, aderindo aos sistemas de mini e microgeração solar fotovoltaica como fonte renovável e limpa para reduzir gastos e garantir autonomia energética, com retorno de investimento garantido, entre cinco e sete anos. Depois desse período, o consumo tem custo praticamente zero, durante 18 a 25 anos. Só os telhados das casas brasileiras, sem usar nenhum metro quadrado a mais de área, gerariam cerca de 164 GW, mais do que a matriz elétrica atual instalada no país (160 GW), segundo Rodrigo.
A tecnologia solar fotovoltaica se tornou mais segura para investir, depois que a Agência Nacional daEnergia Elétrica (Aneel) aprovou a Resolução Normativa (RN) 482 em 2012, regulamentando a micro e minigeração distribuída e o sistema de compensação de energia elétrica. Foi uma mudança de paradigma, resume ele. Outras duas resoluções posteriores aprimoraram o assunto: as RNs 687/2015 e 786/2017. Hoje, o país conta com um excelente arcabouço regulatório, que deve ser mantido e avançar ainda mais, diz o entrevistado.
A data
O Dia Mundial da Energia, comemorado em 29 de maio, foi criado pela Direção Geral de Energia de Portugal, em 1981, com o propósito de motivar a conscientização civil e política sobre a importância da poupança de energia e do incentivo ao uso de energias renováveis (não fósseis). O uso de energias que possuem como fonte o petróleo e carvão mineral potencializam a poluição ambiental, prejudicando a vida de todos os seres do planeta.
Esta data serve para despertar em cada pessoa, que ela pode fazer a sua parte para evitar o desperdício de energia, aproveitando ao máximo o uso da luz natural (do sol) e comprando eletrodomésticos com classe energética mais eficiente.
ENTREVISTA
CSS : Como avalia a situação mundial atual relacionada com a produção e consumo de energia? Temos bons motivos para comemorar o Dia Mundial da Energia no Brasil e no mundo?
Rodrigo: O Dia Mundial da Energia é um evento importante para que possamos nos conscientizar sobre a importância deste insumo estratégico e fundamental para a vida, sobretudo nas sociedades modernas. Sem energia países e economias não funcionam; as atividades de lazer, sociais, o transporte, a logística, nada funciona. Especificamente na energia elétrica, temos um insumo que é ainda para uso de curto prazo, é difícil de estocar e armazenar.
Neste sentido, esta data nos ajuda a celebrar uma transformação que vem acontecendo no mundo. No século XX, trabalhava-se baseado fundamentalmente em fontes fósseis de energia; agora, no século XXI, estamos vivendo um processo de transição importantíssimo, diminuindo a participação das fontes fósseis e ampliando a participação e a relevância das fontes renováveis, cada vez mais protagonistas das matrizes elétricas do mundo.
No caso específico do Brasil, temos motivos importantes para celebrar: primeiro, porque é um país de fato privilegiado do ponto de vista de seus recursos enérgicos e do seu potencial em relação às fontes renováveis; e segundo, por já possuir uma das matrizes renováveis mais limpas do mundo: a hidrelétrica.
Na área de energia solar fotovoltaica, temos um potencial capaz para atender a demanda de energiaelétrica de 170 Brasis. Estamos no meio da transição para matrizes de baixas emissões, com a participação das novas fontes renováveis modernas (solar, eólica e biomassa) e a diversificação para além das hidrelétricas. Estas matrizes de baixa emissão, de fontes renováveis não-hídricas são seguras e têm a vantagem de serem muito competitivas.
CSS: A transição para uma economia mais limpa está em pleno andamento, principalmente nos países mais ricos. Existe um ranking mundial sobre a adoção da tecnologia solar? Quais países estão à frente e qual é a colocação do Brasil?
Rodrigo: A fonte solar fotovoltaica no Brasil está num processo de rápido crescimento e desenvolvimento. No início de 2017, alcançamos a marca histórica importante de 1,1 GW de energiasolar fotovoltaica operando em nossa matriz, só atingida por aproximadamente 30 países no mundo. Agora, fazemos parte deste seleto grupo de países. A ABSOLAR já projeta que, este ano, o Brasil deve ultrapassar 2.000 mil MW, o que representará um passo relevante para o desenvolvimento desta tecnologia no país.
Hoje, neste momento, a fonte solar fotovoltaica ainda representa menos de 1% da matriz elétrica brasileira, mas com o forte crescimento, a projeção do Instituto de Pesquisa Energética do governo federal, a fonte solar fotovoltaica poderá representar 10% da matriz elétrica do país, em 2030. Este é um número bastante significativo, que trará ao Brasil inúmeras oportunidades de negócios, inclusive para micro, pequenos e médios negócios.
Quando olhamos a potência adicionada em 2017, pela primeira vez ingressamos no ranking dos 10 países do mundo geradores de mais de 1 GW, ocupando a 10ª posição. Assim nos tornamos uma nova potência solar fotovoltaica.
CSS: Nos últimos anos, constatamos a vulnerabilidade de nossa matriz energética, baseada na geração hidrelétrica (73%), especialmente durante longos períodos de estiagem. Os níveis de água nos reservatórios de usinas hidrelétricas importantes do país baixaram drasticamente, impactando os custos e preço da energia ao consumidor final.
Nosso padrão energético está ameaçado? Devemos nos preocupar com o padrão hidrelétrico brasileiro, devido ao aquecimento global, que reduz o volume de chuvas, altera o clima, etc?
Rodrigo: Hoje, nossa matriz elétrica está ainda bastante dependente das hidrelétricas, dos recursos hídricos. Por este motivo, é fundamental que o país avance no processo de diversificação de suas matrizes energética para que possamos reduzir a nossa dependência da água, como geradora deenergia elétrica, até porque a água é um recurso de múltiplas funções, tanto para abastecimento humano, dos animais, para a irrigação e atividades produtivas.
É um recurso fundamental não só para gerar energia elétrica. A água está cada vez mais escassa e estratégica. Para que isto não gere maior pressão sobre a matriz brasileira, é importantíssimo que o país diversifique as fontes renováveis, que não precisem de água para gerar energia elétrica, como é o caso da tecnologia solar fotovoltaica.
Nesse sentido existe um risco hídrico crescente em nossa matriz, por conta das mudanças climáticas. As secas continuadas no Nordeste que já somam cinco anos consecutivos e podem ser uma sinalização de mudança no regime de chuvas da região.
Temos que nos planejar para fazer uso desta água escassa. A fonte solar fotovoltaica vai aliviar esta pressão e ajudar a diversificar a nossa matriz, trazendo maior segurança energética a preços muito interessantes e atraentes. A tecnologia solar tem mostrado competitividade crescente, seja em leilões, seja em geração distribuída de energia elétrica.
CSS: Quais são as fontes renováveis mais recomendadas para o Brasil?
Rodrigo: O Brasil possui portfólio amplo e diversificado de fontes renováveis, que podem ser aproveitadas para a geração de energia elétrica. São vantagens comparativas e competitivas estratégicas como país. O Brasil tem excelente potencial hídrico, que já foi a base da expansão da nossa matriz elétrica, nas últimas décadas, mas que agora já se torna visível que há limites para esta expansão, seja por questões ambientais ou questões sociais – muitas vezes os reservatórios alagariam áreas significativas de florestas, de regiões protegidas ou até mesmo por áreas ocupadas por pessoas, comunidades tradicionais ou modernas.
O recurso hídrico é importante e precisa ser levado em consideração e aproveitado. Mas além de nosso potencial hídrico, cujo potencial técnico total soma 172 GW, dos quais um terço (1/3) está na região amazônica e, portanto, é de difícil aproveitamento e grande parte do recurso restante já foi aproveitado.
Nós temos também o recurso eólico de excelente qualidade, com potencial técnico total de cerca de 440 GW, maior do que o potencial hidrelétrico disponível, bastante localizado nas Regiões Sul e Nordeste, onde estão os ventos de alta qualidade do país.
Em comparação, quando olhamos o potencial técnico da fonte solar fotovoltaica, os números são impressionantes: são mais de 28.500 GW em potencial técnico, maior do que a somatória de todas as fontes renováveis e fósseis. O potencial solar supera todos os recursos em potencial e, quando olhamos apenas para os telhados das casas brasileiras, sem usar nenhum metro quadrado a mais de área, seria possível gerar cerca de 164 GW em potência instalada, número maior do que a matriz elétrica instalada no país (160 GW, hoje em potência).
Além do elevado potencial técnico, a tecnologia solar vem demonstrando crescentes ganhos de competitividade, nos últimos leilões de energia solar. Igualmente a geração solar distribuída também está se mostrando cada vez mais competitiva pela combinação dos preços e aumentos da energiaelétrica pagos pelos consumidores brasileiros.
O primeiro leilão de energia solar do governo federal, em 2014, vendeu por US$ 88/MW/h – já foram feitos cinco leilões, até o momento. No leilão realizado, em abril 2018, a fonte solar fotovoltaica foi vendida a R$ 118,07, equivalente a US$ 35,25. Então, os preços foram reduzidos significativamente, de 2014 para 2018.
Atualmente a fonte solar já é considerada o segundo menor preço de energia no país – menor, inclusive, do que as pequenas centrais hidrelétricas (PCEs) – e mais competitivo do que todas as usinas termelétricas fosseis e biomassa. A tecnologia solar fotovoltaica se tornou altamente competitiva, tanto para a população brasileira, como também para o governo federal via leilões.
CSS: A regulamentação e normas definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), nos últimos anos, são suficientes para estimular a adesão de empresas, pequenos produtores rurais e cidadãos à microgeração e minigeração distribuída de energia solar fotovoltaica?
Rodrigo: Olhando especificamente para as micro, pequenas e médias empresas, o preço da tarifa média da energia elétrica tem aumentado de forma intensa para os brasileiros. No período de 2012 a 2015, aumentou cerca de 500% – um aumento significativo, segundo Ministério de Minas e Energia. Os consumidores, sejam eles residências, comércio, micro e pequenas indústrias e prestadores de serviços, estão pagando cada vez mais caro pela energia elétrica. E esta tendência infelizmente continua, tanto que, em 2017, tivemos inflação média de 2,95%, mas a tarifa de energia elétrica subiu 10%, na média, ou três vezes mais do que a inflação.
Em 2018, dando o exemplo da Cemig, em Minas Gerais, a tarifa elétrica subirá mais de 20%. A tecnologia da energia fotovoltaica tem tido redução no preço, já acumulou redução de 80% e se tornou competitiva. Significa dizer que já é mais barato gerar energia em seu telhado, de forma renovável e limpa, economizando dinheiro do que comprar energia da distribuidora.
Quando a gente olha o tempo de retorno do investimento, são necessários por volta de 5 a entre 7 anos, para que o consumidor, que investiu em energia solar fotovoltaica, recupere o investimento inicial, com a vantagem que esta é uma tecnologia robusta, sem partes móveis, feita para durar e com vida útil estimada em mais de 25 anos. Um período muito interessante, longo e positivo para que o consumidor, investidor ou empresa, que vai ter energia praticamente de graça, entre 18 a 25 anos, se beneficie com energia renovável com preços de energia bem mais baixos.
Esta tem sido uma forma com que os pequenos negócios estão se diferenciando, demonstrando seu compromisso com o meio ambiente e sustentabilidade, e com isso tendo uma melhor proximidade com os clientes e posicionando sua marca mais positiva junto à sociedade.
As normas da ANEEL, hoje em vigor, em especial no caso da geração solar fotovoltaica, uma das mais relevantes é a Resolução Normativa 482 /2012, que trata da micro e minigeração distribuída e do sistema de compensação de energia elétrica. Foi uma mudança de paradigma importante, que permitiu que consumidores brasileiros em geral (residências, empresas, instituições, edifícios públicos, propriedades rurais) passassem a poder gerar energia renovável na sua própria unidade consumidora (no telhado, fachada do prédio ou terreno na área rural) para consumir esta energia. Qualquer excedente produzido não é desperdiçado, pode ser injetado na rede e disponibilizado para região ou bairro onde está. O consumidor recebe um crédito de energia, que poderá ser abatido em seu consumo nos meses posteriores.
Este modelo foi aprimorado pelas Resoluções Normativas 687/2015 e 786/2017. Hoje, o Brasil tem um excelente arcabouço regulatório em favor da geração distribuída solar fotovoltaica, permitindo aos consumidores investir nesta tecnologia com tranquilidade e com bom retorno financeiro.
Nossa maior ressalva e ponto de atenção como setor é conseguir manter estes pontos alcançados na regulamentação e continuar avançando para que o ambiente regulatório e de negócios possa contribuir para o crescimento dessa fonte no país. Existe um anseio da população e sociedade brasileira por gerar a sua própria energia.
CSS: No agronegócio, a tecnologia solar pode se tornar uma parceira dos produtores rurais?
Rodrigo: A energia solar fotovoltaica tem grande potencial no meio rural, uma vez que os produtores rurais, hoje, já são grandes usuários de energia solar para a produção de alimentos. São justamente eles, que abastecem as áreas urbanas com alimentos.
Eles também podem passar a serem produtores de energia renovável, por meio do sol, para abastecer as áreas urbanas. Esta tecnologia pode ajudá-los a terem mais autonomia energética, mais independência, e planejar a expansão da sua atividade produtiva, com menos custos de infraestrutura e distribuição.
O meio rural tem acesso às melhores linhas de financiamento para energia solar fotovoltaica. Por este motivo, temos visto, desde 2017, que este setor tem muita sinergia e vem registrando crescimento acelerado no uso de energia fotovoltaica, pelos produtores rurais do agronegócio, em especial.
Os produtores rurais podem usar financiamentos, como a linha do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) que, inclusive, foi aberta pela primeira vez para projetos fotovoltaicos, em parceria com a ABSOLAR e Abeeolica (Associação Brasileira de Energia Eólica); e a linha do Banco do Brasil chamada Agroenergi; existem, ainda, as linhas dos fundos constitucionais para os Bancos da Amazônia, do Nordeste e BB.
Também o BNDES tem linhas para geração de energia renovável no campo. Uma das linhas importantes se chama Inovagro para projetos de maior porte. Então, desde o agricultor familiar até o grande produtor rural vão encontrar boas linhas de financiamento para energia solar fotovoltaica no campo.
CSS Qual a solução para os pequenos produtores rurais? Eles terão de se associar em cooperativas para gerar energia a partir de biomassa, biogás e outras fontes renováveis, já que estas tecnologias custam caro?
Rodrigo: Os pequenos produtores que tiverem interesse de reduzir seus gastos com energia elétrica, por meio da fonte solar fotovoltaica, podem investir diretamente nesta tecnologia ou podem se reunir em cooperativas ou consórcios de energia renovável.
Uma iniciativa importante neste sentido foi desenvolvida pela OCB (organização das Cooperativas Brasileiras) , que publicou gratuitamente uma cartilha sobre cooperativas e consórcios de geração de energia, explicando como construí-los e estruturá-los, que contou com apoio da ABSOLAR. Acreditamos que esta publicação vai contribuir para a adoção dessa tecnologia no campo e também na área urbana.