Rodrigo Salim, Líder de Digital e Distribuição de Energia para a GE Power, Grid Solutions fala sobre os desafios e caminhos que nos esperam quando o tema é energia
Você já pensou em quanto, atualmente, é dependente da energia elétrica?
Levanta a mão quem já chegou à casa de um conhecido, a um restaurante ou mesmo a uma reunião de negócios e perguntou: tem alguma tomada que eu possa usar? É curioso pensar que essa situação, tão corriqueira hoje em dia, não faria nenhum sentido vinte anos atrás. E ela exemplifica muito bem como estamos cada vez mais dependentes de energia elétrica. Sem ela, nossa vida profissional e pessoal podem ser muito prejudicadas. A mesma lógica vale para empresas, órgãos governamentais, hospitais, meios de transporte etc. Nossa sociedade, cada vez mais digitalizada, vê crescer a demanda por energia.
Mas não se trata de uma questão meramente quantitativa. A grande mudança será qualitativa, com a implementação de redes que sejam acessíveis, confiáveis, eficazes e inteligentes. Estamos falando do “smart grid”, que promete ter impactos significativos para a economia e o meio-ambiente.
A seguir, Rodrigo Salim, Líder de Digital e Distribuição de Energia para a GE Power, Grid Solutions, comenta quais são os desafios e as oportunidades que nos aguardam nesse caminho.
CPOF: Como a digitalização afeta o monitoramento e manutenção das redes e que resultados isso traz pra sociedade, na prática?
SALIM: A distribuição de energia é o elo mais complexo da cadeia, uma vez que é muito capilar (tem que chegar até a residência de todos!). A digitalização ajuda na distribuição de energia ao reduzir a duração e a frequência de falhas no sistema. Com a digitalização, é possível passar de uma estratégia reativa de manutenção, onde se espera ocorrer uma falha e daí resolvê-la, para uma estratégia preditiva de manutenção, onde se prevê a ocorrência de uma falha e se trabalha antecipadamente, evitando que ela ocorra ou reduzindo o tempo que os consumidores ficam sem energia elétrica.
O monitoramento passa a ser muito mais amplo, indo além dos dados técnicos do sistema para incluir informações climáticas, de trânsito, da vegetação etc. Todas estas informações são utilizadas em um algoritmo computacional, cujos resultados contribuem para uma melhora nos índices de continuidade dos sistemas de distribuição.
CPOF: Do ponto de vista do consumidor, o que podemos esperar? A que tipo de informações ele poderá ter acesso e que tipo de decisões poderá tomar?
SALIM: No caso do consumidor final, ele pode entender muito melhor seu padrão de consumo na medida em que os medidores passam a ser inteligentes. A informação do perfil de consumo, que antes era mensal, poderá ser averiguada diariamente. Com a regulamentação que deve entrar em vigor, fixando a tarifa branca para o consumidor residencial, ele passa a ter mais poder sobre como usa energia. Vale a pena lavar ou passar a roupa no horário de pico (18h) e pagar mais? Ou é melhor fazer isso à noite (21h) e economizar? Os medidores inteligentes também permitem uma medição bidirecional na sua residência, permitindo que você venda a sua energia (gerada por um painel solar, por exemplo). Hoje, somente podemos fazer o “net metering”, que não é efetivamente a venda, mas a tecnologia já está disponível para permitir também a venda. Além disto, medidores inteligentes enviam informações importantes para a própria distribuidora, especialmente quando ocorre uma falha no sistema, informando que aquele consumidor está sem energia. Com isto, a distribuidora pode agir muito mais rapidamente.
CPOF: Você mencionou a possibilidade de o consumidor gerar e vender energia, e gostaria que você falasse mais sobre isso. Recentemente, o governo anunciou um plano de financiamento para microgeração de energia solar no país, incentivando, por exemplo, a instalação de placas fotovoltaicas em residências e estabelecimentos comerciais. Que oportunidades advêm da descentralização no sistema energético?
SALIM: A oportunidade está relacionada com o desenvolvimento de uma matriz energética cada vez mais limpa e menos dependente de fontes poluidoras. O consumidor passa a ser parte ativa no processo de geração de energia e se torna muito mais interessado em como a energia chega na sua casa. Isso tudo é muito importante para o desenvolvimento de qualquer país no século 21, e o Brasil tem muitas vantagens nesse sentido. Pense que a cidade com maior irradiação solar na Alemanha (país pioneiro e um dos líderes mundiais nesse tipo de sistema) possui uma irradiação média anual menor do que a nossa capital estadual com a menor irradiação solar. O recurso energético é abundante no país e podemos desenvolvê-los rapidamente, uma vez que a tecnologia está bem madura hoje.
CPOF: E quais são os desafios?
SALIM: Para a implementação desses sistemas, não vejo desafios grandes em termos de regulamentação, exceto no que se refere à criação de uma tarifa binômia que permita o correto direcionamento do custo de utilização da rede de distribuição, o que hoje não temos no Brasil. Mas, com a integração em grande escala desses sistemas, os desafios em relação a planejamento e operação da distribuição passam a ser grandes. A geração solar é bastante intermitente – picos ou vales podem ocorrer rapidamente e é preciso que o sistema esteja pronto para lidar com esta variabilidade. Além disso, o início da noite passa a ser crítico para a operação do sistema, pois o crescimento da carga coincide com a redução da geração dos painéis solares, e a entrada de grandes blocos de geração se faz necessária para atender toda essa demanda. Algumas tecnologias, como sistemas de bateria, podem reduzir esses impactos, mas ainda não têm regulamentação no Brasil.
CPOF: Outra tendência que promete ter grande impacto no cenário urbano nos próximos anos é a popularização de veículos elétricos, o que também requer uma readequação da infraestrutura urbana e rodoviária, com a oferta de postos para recarga. Mas, por enquanto, ainda não temos uma regulamentação da Aneel para eletropostos. Em que cidades ou países a presença dos veículos elétricos é mais forte hoje e o que é possível aprender com essas experiências?
SALIM: China e Estados Unidos hoje são os líderes, em número absoluto, na frota de veículos elétricos. Já a Noruega é a líder em números percentuais. O que esses três países têm em comum são metas agressivas para a redução da emissão de carbono em conjunto com incentivos fiscais que permitem um acesso mais fácil a estes veículos. Essas experiências ensinam que as regulamentações governamentais devem tanto acompanhar os anseios da população como contribuir para que o país alcance as metas nacionais que se impõe.
CPOF: Como você comentou, essa mudança no sistema de transportes se relaciona diretamente com a questão ambiental. Afinal, a queima de combustíveis fósseis é uma das grandes causas do aquecimento global. Como os “smart grids” podem contribuir para a disseminação de fontes renováveis de energia?
SALIM: As fontes renováveis menos agressivas ao meio ambiente são a solar e a eólica. Ambas tecnologias possuem uma intermitência intrínseca, devido à possibilidade de variação brusca de sol ou vento. Isso pode trazer problemas técnicos para a operação do sistema elétrico de maneira geral. As tecnologias que compõem os “smart grids” (como baterias, medições fasoriais sincronizadas, restauração automática da distribuição, entre outras) ajudam o sistema a lidar com esta intermitência. Com isto, o sistema passa a operar com maior segurança e confiabilidade e permite que maiores percentuais de geração solar e eólica possam ser utilizados, reduzindo ainda mais a nossa dependência de fontes de energia que injetam carbono na nossa atmosfera.
CPOF: Uma mudança abrangente do sistema energético rumo à digitalização prevê, é claro, investimento. Que medidas, a seu ver, são prioritárias (e viáveis) em um cenário de crise econômica, como o que o País atravessa? Que vantagens elas trariam?
SALIM: Em um cenário de crise econômica, o business case passa a ser a eficiência operacional das empresas de geração, transmissão, e distribuição de energia. A automação de redes de distribuição é um caso de sucesso em diversas distribuidoras do mundo. A gestão de transformadores baseada em medições online de gases também. E o mesmo vale para soluções de “digital twins” em turbinas para a geração de energia. Todas essas são prioridades, cada uma em seu segmento, e podem ajudar as nossas empresas a serem mais eficientes e atingirem com maior sucesso as suas metas.
Fonte: https://epocanegocios.globo.com